domingo, 22 de junho de 2014

Não vos censuro se não chegarem nem a metade


A minha paixão é nadar. É tão certo como o dia ter 24 horas, a vida ser efémera e o dia de amanhã uma incógnita. Nunca o escondi mas não acho que alguém o perceba verdadeiramente...
Aos seis anos entrei para este mundo e sensivelmente aos oito/nove fui convidada para entrar numa equipa de competição que estavam a criar. Foi das melhores decisões da minha vida, senão a melhor. Na equipa inicial, eu era a mais nova, mais baixa e mais caladinha pois toda a restante equipa era entre 2 a 4 anos mais velha que eu e era como se eu fosse a irmãzinha mais nova. Se no início me senti mais acanhada e com receio, não me recordo porque já se faz sentir como se tivesse sido noutra vida, mas se tal aconteceu depressa passou porque nunca mas nunca me senti mal naquele ambiente. Éramos todos miúdos, eles pré-adolescentes, eu uma criança mas no meio de todas as brincadeiras, picardias ou o que fosse, nunca me fizeram sentir menos que ninguém. Não sei se era por essa tal discrepância de idades que tinham mais "cuidado" mas o que é certo é que foram os melhores tempos da minha vida.
Treinávamos de segunda a sábado, passávamos fins de semana inteiros em provas, éramos unidos e apesar do esforço, compensava. Eu falo por mim, eu cresci com eles, cresci com o meu treinador, cresci com a natação, cresci com a competição e tudo o que isso influenciava. Eu sou brucista, um underdog dos estilos de natação e eu era boa. Na equipa, só havia uma outra rapariga que também se destacava a bruços e sempre que chegava essa parte do treino, sabia sempre bem ser literalmente puxada para a frente porque já sabiam que eu ir atrás deles não me ia "desafiar" nem eles seriam capazes de acompanhar. E o que me fez vencer neste meio foi a minha paixão por aquilo, o desafiar-me constantemente para quebrar barreiras e ser melhor, o não desistir e lutar porque não há outra forma de nos superarmos nesta vida.
E se calhar foi o facto de esse meu desenvolvimento se ter dado no seio de um grupo mais velho, com outra carga emocional acompanhante de desportos em equipa (porque sim, natação parece individual mas é também um desporto de equipa) que por exemplo uma turma escolar não nos traz, que me levou à pessoa que sou hoje em dia e à personalidade que me caracteriza, porque eu ali ganhei valores que não se interiorizam em qualquer lado e o ambiente que me rodeava levou-me a exigir mais de mim, a puxar pelas minhas capacidades, física e psicologicamente, e com isso elevou-me também a outro patamar mental. Até ao ponto em que, uns anos depois, começaram a aceitar gente da minha idade na pré-competição e eu já treinava com ambos os grupos, também devido a horários. E aí já não era o mesmo. Alguns da equipa inicial começaram a sair, estavam a crescer e seguir os seus caminhos, outros acabados de entrar não duravam mais de uma época... Tem que se gostar, ninguém aguenta aquela carga durante muito tempo fazendo frete e é assim que se percebe quem nasceu para aquilo e quem tem aspirações diferentes.
Eu fui a torneios amigáveis, campeonatos regionais, zonais e nacionais. Tenho memórias divertidas, orgulhosas e gratificantes, memórias que me enchem o coração. Até à época em que comecei a ter dores nos joelhos. Esta é uma parte determinante, os treinos puxam por nós, dores todos temos, é suposto doer e cabe-nos a nós escolher o que fazer em relação a isso. Uns desistiam, fartos daquilo. Outros faziam ronha durante os treinos. Eu só me queixava esporadicamente, eu julgava ser do cansaço porque é cansativo, era daqueles queixumes que se deitavam para o ar nos 15 segundos em que estávamos parados entre séries na resistência, mas não passavam de meras palavras, só resmunguices que entravam a cem e saíam a duzentos. Eu não parava.
Resumindo a parte mais chata, entretanto fui à pediatra e fui diagnosticada erradamente. Andei um ano a tratar algo que na verdade não era um problema e a piorar o que na realidade era mesmo um problema. Quando fui a um ortopedista, soube o que realmente tenho, duas condições nos joelhos que supostamente passam com o tempo. Claro que aí pelo meio foi o meu declínio e a minha última prova foram uns nacionais de inverno. Não foi uma decisão fácil, nunca cheguei a perceber se foi a acertada mas, apesar de ter parado de marcar presença nas competições, ainda estive uma época inteira a treinar só em braços porque não conseguia de forma alguma deixar tudo e sair. A natação era a minha vida e esse foi como que um ano de adaptação à perda da mesma.
Sofri muito com isso, chorei bastante e ainda hoje tenho um vazio à espera de ser preenchido. Mas já lido melhor com tudo isso, apesar de me revoltar com algumas situações em que não sabem aproveitar o que têm ou ter "inveja" dos que levam a vida que eu tive de deixar. Não foi uma decisão realmente minha, eu fui de certa forma coagida a sair e sou a única que vai regularmente às piscinas matar saudades e pôr a conversa em dia com o treinador que é como um segundo pai para mim. Até porque o ambiente lá agora é completamente diferente e eu não me sinto mal, de todo, de já não estar lá. Se assim o foi, é porque tinha outras coisas às quais me dedicar e isso leva-me ao ponto principal desta conversa toda...
Hoje um amigo meu de infância faz anos. Amigo esse que entrou para a natação nesses tempos que falei de pré-competição, amigo esse que tinha orgulho em mim e nas minhas conquistas, amigo esse que evoluiu cada vez mais e mais, mudou de equipa consequentemente mudando de escola e de vida, agora numa subida de carreira tão grande que eu espero só ir cada vez mais e mais para cima. Eu tenho um enorme orgulho nele, do fundo do coração e espero por tudo que ele seja bem sucedido. Ele é campeão regional, zonal, nacional, tem ido a estágios da selecção nacional, campeonatos europeus e não pára. Como se a cada fim de semana agora estivesse num país e prova diferente e eu acho óptimo, excelente porque qualidade não lhe falta, capacidades também não e é para mim um privilégio poder dizer que fiz parte do seu começo e desenvolvimento como pessoa e nadador que é. Também já pensei na hipótese de me sentir tão ligada às conquistas dele porque deposito nele também os meus sonhos e a minha paixão, por assim dizer. Ele que viva o que eu fui impossibilitada de viver. Isto parece demasiado dramático mas acaba por ser verdade, no entanto os sacrifícios que ele tem de fazer a nível de vida tanto social como intelectual não se comparam aos que em tempos tive que fazer e apesar de todos os percalços da vida, eu não trocava a vida social que tenho e principalmente a vida intelectual que tanto gosto de estimular. Acho que tudo aconteceu porque devia ter acontecido e eu não guardo rancor aos meus azares da vida porque ainda acredito e espero que algo de bom venha e me encha o coração de novo.
Dito isto, é com muito anseio e agrado que vos digo que ainda vou comemorar com vocês grandes conquistas e vitórias deste "meu" campeão, nem que seja uma presença nos Jogos Olímpicos de 2016, quem sabe... É mesmo um orgulho! Por enquanto, é hoje bem -vindo ao mundo dos 18 ;)

Ps: Este é um tema com imenso pano para mangas, eu ficava aqui dias a falar sobre isto porque foram os tempos mais felizes da minha vida. E por isso, costumo sempre brincar com uma afirmação que no fundo acaba por ser um bocado verdade. A natação é mesmo uma paixão inegável, mesmo hoje em dia faz-me tão bem matar saudades, e se algum dia eu gostar de alguém com tanto carinho, entrega, paixão e intensidade como nutro pela natação, é para casar!

1 comentário:

Sophie Coldheart disse...

É incrível chegar aqui, ler o que aqui escreveste sobre um tema do qual nada sei, e identificar-me tanto com as tuas palavras. Eu explico: eu sou escuteira desde os meus 6 anos (e só não o sou há mais tempo porque, infelizmente, só se pode entrar com 6 anos) e é, sem dúvida, a minha segunda casa. Como tu, cresci rodeada de pessoas mais velhas que me ajudaram, me educaram e me ensinaram muitos dos valores que hoje mantenho comigo. E embora eu não saiba o que é ter de abandonar aquilo que amo como tu tiveste de abandonar a tua natação, consigo imaginar o vazio que se formaria na minha vida se eu deixasse de ser escuteira por motivos de força maior. Por isso, eu acho que entendo o que aqui escreveste e acho incrível que te sintas tão bem com as vitórias desse teu amigo, pois isso só prova que a vossa amizade é verdadeira e isso é de louvar. Parabéns a ele, e a ti, por seres uma amiga babada :)